Abril 23, 2024

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Publicidade política no Brasil – Políticos versus músicos: duas batalhas, dois resultados

João Doria v. Marisa Monte e Arnaldo Antunes

João Doria, governador do estado de São Paulo e candidato à presidência, foi sentenciado, em 1º de fevereiro de 2022, pela Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”; Apelação nº 1077362-28.2018. 26.8.0100) para o pagamento de indenização por danos morais e materiais por violação dos direitos autorais da música “Ainda bem” de Marisa Monte e Arnaldo Antunes em anúncio institucional publicado em sua página oficial do YouTube enquanto prefeito de São Paulo (2017-2018).

O vídeo foi gravado em um evento, promovido pela Nike e organizado pela Prefeitura de São Paulo, para a inauguração de uma quadra esportiva, em que a música foi tocada e pôde ser ouvida como música de fundo durante o discurso de Doria. Seus autores acusaram o prefeito de usar seu trabalho para se promover politicamente – Doria usou explicitamente o cargo de prefeito de São Paulo como trampolim para cargos mais altos e renunciou com menos de dois anos no cargo para se candidatar a governador.

Marisa Monte também pediu indenização por danos morais causados ​​por um segundo vídeo postado por Doria em suas redes sociais em que ele sugeria que ela era uma oportunista que só entrou com a ação por dinheiro.

Em sua defesa, Doria alegou que (i) a música foi tocada durante o evento organizado pela Nike e não houve sincronia entre a música e sua fala, o que foi comprovado por especialistas que analisaram o vídeo; (ii) os direitos autorais no Brasil são pagos por meio de uma taxa que é cobrada pela Central de Arrecadação e Distribuição (“ECAD”) da organizadora do evento (segundo Doria, Nike) e da plataforma digital (YouTube), portanto, Doria não era responsável por pagá-lo; (iii) não houve danos morais, uma vez que a música tocando ao fundo não foi intencional; (iv) a verdadeira motivação do caso são as diferenças políticas entre os queixosos e o réu porque, no passado, eles permitiram que outros políticos usassem suas músicas; e (v) Doria não ofendeu Marisa Monte em seu segundo vídeo, ele estava apenas respondendo a um vídeo que ela havia postado em suas redes sociais.

O relator do caso, desembargador Francisco Loureiro, rejeitou os argumentos de Doria quanto ao pagamento de direitos autorais, lembrando que a alegação dos autores de violação de direitos autorais não se baseia na falta de pagamento, mas no uso não autorizado da música para fins políticos, associando sua obra à de Doria imagem pública.

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Além disso, o juiz Loureiro observou que – ainda que postar um vídeo com música de fundo que estava sendo tocada em um evento não seja um ato ilícito por si para usuários comuns de mídia social – o vídeo de Doria foi claramente editado por profissionais que poderiam ter alterado seu som de fundo. Assim, o uso da música para promoção pessoal foi intencional. Como os autores da música não permitiram o uso da obra por Doria para autopromoção política, o vídeo violou a Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei Federal nº 9.610/1998).

Sobre a alegação de que Marisa Monte e Arnaldo Antunes autorizaram o uso de suas músicas no passado a outros políticos, o juiz Loureiro afirmou que o fato de um artista autorizar o uso de sua obra por terceiros não significa que ele seja obrigado fazer o mesmo com todos os terceiros. Conforme previsto na Lei de Direitos Autorais brasileira, os autores de uma obra de arte têm o direito de autorizar – ou não – seu uso por terceiros sempre que quiserem com poucas exceções previstas em lei – como paródias.

O valor final da indenização foi calculado pelo relator em R$ 10.000,00 (aproximadamente R$ 2.000,00) para cada compositor por danos morais decorrentes da violação de direitos autorais e R$ 20.000,00 (aproximadamente R$ 4.000,00) a serem compartilhados entre os detentores dos direitos autorais para danos materiais. Por fim, o pedido de indenização de Marisa Monte pelo segundo vídeo foi indeferido depois que o juiz Loureiro considerou que o comentário de Doria era simplesmente uma resposta às suas acusações públicas, um ato feito dentro dos limites legais da liberdade de expressão.

Tiririca v. Erasmo e Roberto Carlos

Em 2014 – dois anos antes da primeira campanha de João Doria para um cargo público, quando ele era apenas um empresário – outro político brasileiro se envolveu em um processo com compositores por violação de direitos autorais em um anúncio político.

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Tiririca – um palhaço profissional famoso nacionalmente pelo slogan de campanha “Não pode ficar pior do que já está” – estava concorrendo ao Congresso e decidiu promover sua campanha de reeleição usando uma paródia do clássico de Erasmo e Roberto Carlos chamado “O Porto” (“O Portão”, em português).

O vídeo começa com Tiririca vestido de palhaço, sua roupagem profissional, dizendo que foi votado não só por pessoas “comuns”, mas também por “ele”. Em seguida, Tiririca aparece vestido como o icônico cantor Roberto Carlos, imitando sua voz e gestos, e cantando uma paródia de “O Portão”. Enquanto a versão original diz “Eu voltei, desta vez para sempre / Porque este, este é o meu lugar” (“Eu voltei, agora pra ficar / Porque aqui, aqui é meu lugar”), Tiririca canta “Eu votei, e eu votará novamente / Tiririca, Brasília é o seu lugar ”(“ Eu vote, novo vou voter / Tiririca, Brasília é o se lugar ”). No final, ele segura um bife enorme e o elogia rindo – Roberto Carlos é notoriamente vegetariano.

A EMI SONGS DO BRASIL EDIÇÕES MUSICAIS LTDA., detentora dos direitos autorais da música, ajuizou ação contra Tiririca por danos materiais com base em decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) que condenou a rede de supermercados Carrefour a pagar indenização por danos materiais por violação de direitos autorais em uma música, que foi utilizada em um anúncio com alterações (Caso REsp 1.131.498/RJ). Como a rede de supermercados utilizou a música alterada com fins comerciais, não humorísticos, o tribunal entendeu que a nova música não era uma paródia e, consequentemente, não estava protegida pela exceção de uso justo prevista no art. 47[1].

Após ter sido condenado ao pagamento de indenização por danos materiais pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), em 27 de abril de 2017 (Apelação nº 1092453-03.2014.8.26.0100), Tiririca recorreu ao STJ, cuja Terceira Turma, em 05 de novembro de 2019, indeferiu o pedido do autor, aceitando que a nova versão de Tiririca era uma paródia (Processo REsp 1.810.440/SP).

O relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, fundamentou sua decisão nos fundamentos de que (i) o Judiciário não tem competência para decidir o que é e o que não é humor; (ii) a paródia de Tiririca não ofende outros candidatos, autores da versão original, nem menospreza a música; e (iii) Tiririca é um artista amplamente conhecido como humorista que faz muitas paródias com canções populares.

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Em 11 de março de 2020, o autor interpôs novo recurso (Processo EREsp 1.810.440/SP) solicitando que a matéria fosse novamente analisada pelo STJ, com base nas divergências entre a nova decisão e a anterior envolvendo o Carrefour.

Em 9 de fevereiro de 2022, o relator do recurso, Ministro Luis Felipe Salomão, proferiu decisão confirmando as conclusões da Terceira Câmara e afirmando que o fato de uma música ser utilizada em um anúncio com fins comerciais ou políticos não impede que seja uma paródia.

Além disso, o ministro Salomão destacou os requisitos legais para uma paródia: (i) existência de certo grau de criatividade; (ii) ausência de efeito de descrédito sobre a obra original; (iii) respeito à honra, intimidade, imagem e privacidade de terceiros; e (iv) observância dos direitos morais do autor da obra original. Além disso, conforme previsto na Convenção de Berna, a reprodução não autorizada de obras de terceiros deve cumprir a “regra do teste de três etapas”[2].

Como a música de Tiririca atendeu a todos esses requisitos, ela deve ser considerada uma paródia e ser protegida pelo Art.º da Lei de Direitos Autorais. 47.

O julgamento prosseguirá após a suspensão solicitada pelo ministro Raul Araújo. Enquanto isso, artistas brasileiros – incluindo Caetano Veloso, Nelson Motta e Joyce Moreno – estão se manifestando publicamente contra a autorização de paródias em anúncios políticos por medo de ver seus hits sendo usados ​​por políticos com os quais discordam.

Portanto, caso o STJ emita sua decisão final antes das eleições nacionais de outubro de 2022, concordando com o ministro Salomão, o governador João Doria estará livre para promover sua campanha presidencial carregando um novo anúncio alterando a letra da música de Marisa Montes e Arnaldo Antunes de “Graças a Deus eu conheci você” para “Graças a Deus eu conheci Doria”.